27 junho 2011

LV-2-CAPITULO 10

 CAPÍTULO 10

Do agradecimento pela graça de Deus

1. Para que buscas repouso se nascestes para o trabalho? 

Dispõe-te mais à paciência que à consolação, mais para levar a cruz que para ter alegria. 

Quem dentre os mundanos não aceitaria de bom gosto a consolação e a alegria espiritual, se a pudesse ter sempre ao seu dispor? 

As consolações espirituais excedem todas as delícias do mundo e todos os deleites da carne. 

Pois todas as delícias do mundo ou são vãs ou torpes, e só as do espírito são suaves e honestas, nascidas que são das virtudes e infundidas por Deus nas almas puras. 

Mas ninguém pode lograr estas divinas consolações à medida de seu desejo, porque não cessa por muito tempo a guerra da tentação.

2. Grande obstáculo às visitas celestiais é a falsa liberdade do espírito e a demasiada confiança em si mesmo. 

Deus faz bem dando-nos a graça da consolação; mas o homem faz mal não retribuindo tudo a Deus, com ação de graças. 

E se não se nos infundem os dons da graça, é porque somos ingratos ao Autor, não atribuindo tudo à fonte original. 

Pois sempre Deus concede a graça a quem dignamente se mostra agradecido e tira ao soberbo o que costuma dar ao humilde.

3. Não quero consolação que me tire a compunção, nem desejo contemplação que me seduz ao desvanecimento; porque nem tudo que é sublime é santo, nem tudo que é agradável é bom, nem todo desejo é puro, nem tudo que nos deleita agrada a Deus. 

De boa mente aceito a graça, que me faz humilde e timorato e me dispõe melhor para renunciar a mim mesmo. 

O homem instruído pela graça e experimentado com sua subtração não ousará atribuir-se bem algum, antes reconhecerá sua pobreza e nudez. 

Dá a Deus o que é de Deus, e atribui a ti o que é teu; isto é, dá graças a Deus pela graça, e só a ti atribui a culpa e a pena que a culpa merece.

4. Põe-te sempre no ínfimo lugar, e dar-te-ão o supremo, porque o mais alto não existe sem o apoio do inferior. 

Os maiores santos diante de Deus são os que se julgam menores, e quanto mais glorioso, tanto mais humildes são no seu conceito. 

Como estão cheios de verdade e glória celestial, não cobiçam a glória vã. 

Em Deus fundados e firmados, nada os pode ensoberbecer. 

Atribuindo a Deus todo o bem que receberam, não pretendem a glória uns dos outros; só querem a glória que procede de Deus; seu único fim, seu desejo constante é que ele seja louvado neles e em todos os santos, acima de todas as coisas.

5. Agradece, pois, os menores benefícios e maiores merecerás. 

Considera como muito o pouco, e o menor dom por dádiva singular. 

Se considerarmos a grandeza do benfeitor, não há dom pequeno ou de pouco valor; porque não pode ser pequena a dádiva que nos vem do soberano Senhor. 

Ainda quando nos der penas e castigos, Lho devemos agradecer, porque sempre é para nossa salvação quanto permite que nos suceda. 

Se desejares a graça de Deus, sê agradecido quando a recebes e paciente quando a perdes. Roga que ela volte, anda cauteloso e humilde, para não vires a perdê-la.