27 junho 2011

LV-2-CAPÍTULO 12

 CAPÍTULO 12

Da estrada real da santa cruz

1. A muitos parece dura esta palavra: Renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz e segue a Jesus Cristo (Mt 16,24). 

Muito mais duro, porém, será de ouvir aquela sentença final: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno (Mt 25,41). 

Pois os que agora ouvem e seguem, docilmente, a palavra da cruz não recearão então a sentença da eterna condenação. 

Este sinal da cruz estará no céu, fardo maior te impões; contudo é forçoso que a leves. Se rejeitares uma cruz, sem dúvida acharás outra, talvez mais pesada.

6. Pensas tu escapar àquilo de que nenhum mortal pôde eximir-se? 

Que santo houve no mundo sem tribulação? 

Nem Jesus Cristo, Senhor Nosso, esteve uma hora, em toda a sua vida, sem dor e sofrimento. 

Convinha, disse ele, que Cristo sofresse e ressurgisse dos mortos, e assim entrasse na sua glória (Lc 24,26). 

Como, pois, buscas tu outro caminho que não seja o caminho real da santa cruz?

7. Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu procuras só descanso e gozo? 

Andas errado, e muito errado, se outra coisa procuras e não sofrimentos e tribulações; pois toda esta vida mortal está cheia de misérias e assinalada de cruzes. 

E quanto mais uma pessoa faz progressos na vida espiritual, tanto maiores cruzes encontra, muitas vezes, porque o amor lhe torna o exílio mais doloroso.

8. Mas, apesar de tantas aflições, o homem não está sem o alívio da consolação, porque sente o grande fruto que lhe advém à alma pelo sofrimento da cruz. 

Pois, quando de bom grado a toma às costas, todo o peso da tribulação se lhe converte em confiança na divina consolação. 

E quanto mais a carne é cruciada (ferida) pela aflição, tanto mais se fortalece o espírito pela graça interior. 

E, às vezes, tanto se fortalece, pelo amor das penas e tribulações que, para conformar-se com a cruz de Cristo, não quisera estar sem dores e sofrimentos, pois julga ser tanto mais aceito a Deus, quanto mais e maiores males sofre por seu amor. 

Não é isto virtude humana, mas graça de Cristo, que tanto pode e realiza na carne frágil, que o espírito com ardor abraça e ama o que a natureza aborrece e foge.

9. Não é conforme à inclinação humana levar a cruz, amar a cruz, castigar o corpo e impor-lhe sujeição, fugir às honras, aceitar as injúrias, desprezar-se a si mesmo e desejar ser desprezado, suportar as aflições e desgraças e não almejar prosperidade alguma neste mundo. 

Se olhares somente a ti, reconheces que de nada disso és capaz. 

Mas, se confiares em Deus, do céu te será concedida a fortaleza, e sujeitar-se-ão ao teu mando o mundo e a carne. 

Nem o infernal inimigo temerás, se andares escudado na fé e armado com a cruz de Cristo.

10. Portanto, como bom e fiel servo de Cristo, dispõe-te a levar a cruz do teu Senhor, por teu amor crucificado. 

Prepara-te a sofrer muitos contratempos e incômodos nesta vida miserável, pois em toda a parte, onde quer que estiveres, ou te esconderes, os encontrarás da dor e dos males senão sofrê-los com paciência. 

Bebe, generoso, o cálice do Senhor, se queres ser seu amigo e ter parte com ele. 

Entrega a Deus as consolações, para ele dispor delas como lhe aprouver. 

Tu, porém, dispõe-te a suportar as tribulações e considera-as como as consolações mais preciosas, porquanto não têm proporção as penas do tempo com a glória futura (Rom 8,18) que havemos de merecer, ainda que tu só as devesses sofrer todas.

11. Quando chegares a tal ponto que a tribulação te seja doce e amável por amor de Cristo, dá-te por feliz, pois achaste o paraíso na terra. 

Enquanto o padecer te é molesto e procuras fugir-lhe, andas mal, e em toda parte te persegue o medo da tribulação.

12. Se te resolveres ao que deves, isto é, a padecer e morrer, logo te sentirás melhor e acharás paz. 

Ainda que fosses arrebatado, com S.Paulo, ao terceiro céu, nem por isso estarias livre de sofrer alguma contrariedade. 

Eu, diz Jesus, mostrar-lhes-ei quanto terá de sofrer por meu nome (At 9,16). 

Não te resta, pois, senão sofrer se pretendes amar e servir a Jesus para sempre.

13. Oxalá fosses digno de sofrer alguma coisa pelo nome de Jesus! 

Que grande glória resultaria para ti, que alegria para os santos de Deus, e que edificação para o próximo! 

Pois todos recomendam a paciência, ainda que poucos queiram praticá-la. 

Com razão devias padecer, de bom grado, este pouco por amor de Cristo, quando muitos sofrem pelo mundo coisas incomparavelmente maiores.

14. Fica sabendo e tem por certo que tua vida deve ser uma morte contínua, e quanto mais cada um morre a si mesmo, tanto mais começa a viver para Deus. 

Só é capaz de compreender as coisas do céu quem por Cristo se resolve a sofrer toda adversidade. 

Nada neste mundo é mais agradável a Deus nem mais proveitoso a ti, que o sofrer, de bom grado, por Cristo. 

E se te dessem a escolha, antes deverias desejar sofrer adversidade, por amor de Cristo, do que ser recreado com muitas consolações porque assim serias mais conforme a Cristo, e mais semelhante a todos os santos. 

Porquanto não consiste nosso merecimento e progresso espiritual em ter muitas doçuras e consolações, mas em sofrer grandes angústias e tribulações.

15. Se houvera coisa melhor e mais proveitosa para a salvação dos homens do que o padecer, Cristo, de certo, o teria ensinado com palavras e exemplo. 

Pois claramente exorta seus discípulos e quantos o desejam seguir a que levem a cruz, dizendo: Quem quiser vir após mim renuncie a si mesmo, tome sua cruz, e siga-me (Lc 9,23). 

Seja, pois, de todas as lições e estudos este o resultado final: Cumpre-nos passar por muitas tribulações, para entrar no reino de Deus (At 14,21).