04 abril 2019

PADRES DO DESERTO


Os Padres do Deserto 

“Num mundo que ameaça caminhar para a desertificação, a resposta poderá vir, mais uma vez, de onde menos se espera: do silêncio que fala por si (e por nós), dos que sabem estar sós. Vale, por isso, a pena escutar de novo as palavras do silêncio, para aprendermos a ouvir mais e a falar melhor”, escreve o frei franciscano Isidro Lamelas em seu livro: “Padres do Deserto – Palavras do silêncio”. 

No início do século IV, no Império Romano, o cristianismo passou de religião ilícita e perseguida para a condição de tolerada e, depois, de protegida e beneficiada. Para resistir à onda secularizante que invadira a Igreja imperial, os Padres do Deserto começaram por se retirar em locais desabitados e inóspitos, primeiro no Egito, depois, noutras partes, como a Palestina e a Síria. “Mais do que teóricos da espiritualidade, estes “pais espirituais” constituem um património de humanidade e uma reserva inesgotável da melhor espiritualidade, precisamente porque se deixaram incendiar pelo fogo regenerador do amor misericordioso de Deus”, salienta o Frei Isidro Lamelas. 

Os Padres do Deserto ensinam-nos a introduzir o silêncio dentro da palavra e a traduzir em poucas palavras esse enigma que nos habita e escapa. De muitos deles nem o nome ficou; são simplesmente nomeados como “Anciãos” ou “Pais”, porque nada quiseram ser nem ter, a não ser “filhos” e “irmãos” que partilham da mesma sede de Deus. 

Como os próprios nos ensinam, não é o deserto que faz o monge. Conforme dizia o pai Longuino: “quem não é capaz de viver corretamente com os homens, não será capaz de viver corretamente na solidão” (Longuino, 1). De nada valem o silêncio, o jejum ou as múltiplas formas de ascese e anacorese, sem a caridade verdadeira para com todos, especialmente para com os mais fracos. Por isso, Orígenes de Alexandria (cerca de 185-254), considerado um dos pioneiros da espiritualidade e experiência monástica advertia que “devemos abandonar o mundo não tanto localmente, mas mentalmente”. 

Os Padres do Deserto são eremitas embriagados na radicalidade no amor do Eterno e Todo-Poderoso. Ébrias de Deus”, como lhes chamou São Macário, um deles, no século IV. 

Se algo de novo encontramos nestes insaciáveis buscadores de Deus é a vigilante autenticidade e paixão com que abraçam o Evangelho de Jesus Cristo. De facto, o cristianismo é, para os Pais e Mães do deserto, um fogo novo aceso por Cristo que, como ensina Sinclética, “devemos acender em nós mesmos, com lágrimas e esforço”. 

Charles de Foucauld 

“Charles de Foucauld, o homem silencioso do Saara, homem de adoração e de oração, que se fez “irmão universal”, sempre acolhedor para com todos, se propunha a “gritar o Evangelho sobre os telhados com toda a minha vida”. Esse foi o caminho aberto pelo “missionário isolado”, cujo exemplo inspirou e continua inspirando inúmeros pastores e fiéis”, afirma o padre francês Bernard Ardura, postulador da causa de canonização do Bem-aventurado Charles de Foucauld e presidente do Pontifício Comitê de Ciências Históricas. 

Escreveu o eremita do deserto do Saara Charles de Foucauld: “Viver na pobreza, na abjeção, no sofrimento, na solidão, no abandono para estar na vida com o meu Mestre, o meu Irmão, o meu Esposo, o meu Deus, que viveu assim toda a sua vida e me dá esse exemplo desde o nascimento”. 

Para meditação 

“O monge é aquele que está separado de todos e unido a todos. É monge aquele que se considera um com todos, pois tem o hábito de se ver em todos” (Evágrio, Pequena Filocalia, 124-125). 

O pai Isaías disse: “Ama calar mais que falar, pois o silêncio entesoura ao passo que o falar desperdiça” (Guy IV, 18; SC 387, 194). 

Viver abissalmente a espiritualidade na pós-modernidade, só na configuração da mística do deserto, no amor radical ao bom Deus! 

Frei Inácio José do Vale, FCF 

Sociólogo em Ciência da Religião 

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas 

Bem-aventurado Charles de Foucauld 

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