30 agosto 2022

EREMITAS AUTÔNOMOS: DÚVIDAS



Esta postagem é parte de uma outra mais extensa, publicada pela Irmã Gema. Tenho publicado seus artigos para divulgar o seu ótimo trabalho na vida eremítica. 
Tenho sua autorização. Se você desejar ver as outras perguntas e respostas, por favor, clique neste link: 


Quais os passos formais para ser um eremita autônomo ?


1) Estar em perfeito acordo com seu Diretor espiritual.


O Diretor deve estar em pleno acordo para o momento em que vai iniciar-se a experiência. Ele deve ter conhecimento da regra, dos seus horários, e de tudo o que se passa espiritualmente com o eremita. 


2) Planejamento da renda.


Será propriedade urbana ou rural ? Será comprada ou alugada? Tudo deve estar dentro do orçamento. O que você paga é seu. Se o eremitério é alugado, não importa ! É o seu eremitério ! 


3) Planejamento do local conforme a regra.


Não consegue viver sem missa ? Deve ser uma casa perto de uma Igreja. A solidão é prioridade acima de tudo? Deve ser um lugar mais isolado. Você é uma pessoa prática, quer ter tudo perto e se sente mais seguro assim ? Melhor uma casa na cidade. Ar puro, silêncio e natureza é prioridade ? Deve ser uma casa no campo. Tenha muita intuição: Quanto maior a casa e o terreno, maiores os trabalhos e manutenção, e… maior o preço….. Para quê um terreno de 8 alqueires, se você não sabe lidar com o campo e com a mata, e mal consegue cortar a pequena grama de casa ? Terra é cuidado e manutenção. 


4) A mudança efetiva. Chegou a hora ! 


O lugar mais amplo, claro e arejado, dentro do eremitério, enfim, o melhor cômodo, dedique ao seu santuário ! Lá será o lugar onde o Bom Deus vai descansar e regozijar-te com sua alma. O melhor sempre para Jesus ! 


Planeje poucos móveis. Não faça do seu eremitério um museu de coisas que você não sabe o que fazer com elas ! Não exagere, por exemplo, ter 10 cadeiras sendo que talvez só 3 sejam necessárias: uma em cada ambiente. Ter 2 fogões, 1 a lenha e 1 comum… ou ter um Freezer, o que pode gastar talvez muita energia para congelar pouca coisa. 


Se a casa é pequena, não fique ocupando espaços a ponto de você mesmo não conseguir se mexer ! Se a casa é grande, lembre-se de não acumular coisas supérfluas só para ocupar cantinhos e vazios. 
O eremitismo autônomo só é viável se você tiver renda ou benfeitores, que o(a) assistam. Um aluguel para uma pessoa sozinha não é muito caro.


Quais os contratempos que posso enfrentar num eremitismo autônomo ? 


1) Desconfiança.
Até para fazer um retiro, as pessoas não se contentam com uma apresentação simples: Sou eremita. 


Você tem que contar toda sua vida para convencer que é religioso… Quando é um homem, parece que as pessoas se acostumam mais em vê-lo só. Mas uma religiosa mulher, sozinha, causa um pouco de estranheza. Principalmente aqui no Brasil. Parece que algumas pessoas associam imediatamente uma religiosa a bando: Cadê a Madre ? Cadê as irmãs ? 


Nem passa na cabeça da pessoa que a Irmã pode ser uma eremita! Como se a mulher automaticamente precisasse de amparo, ainda que de uma comunidade !


Quando é um irmão, parece que as pessoas sentem mais confiança. Ah, ele é eremita ? Tá bom ! 
Nesse ponto os homens levam mais vantagem. 
Isso ocorre mais com os que usam hábito.


2) Falta de auxílios espirituais.


Se você sonha em se isolar e ter sacrário em casa…. só se você for Sacerdote ! Isso é privilégio para os eremitas diocesanos, quando moram muito longe da Igreja… 


Para todas as coisas ninguém vai correr atrás de você: missa, comunhão, confissão, retiro, tudo você deve providenciar para si. 


Eremita autônomo só é mimado por Deus.


Se você mora em fazenda ou chácara, vai ter que se privar da missa diária, a não ser que já tenha amigos sacerdotes, ou, se dando uma caminhada tenha a sorte de achar uma Igreja na redondeza. Caso tiver carro, sempre será um gasto a mais a ida e volta para missa.
Em todo caso, tanto o Catecismo como o Direito Canônico dispensa as pessoas que moram longe, da Santa Missa, uma vez que ela é impossível. 
O Eremita deve, por sua vez, fazer em seu eremitério a Celebração da Palavra e fazer a Comunhão espiritual, ou a oração mental :


”Por falta de um ministro sagrado ou por outra causa grave, se a participação na celebração eucarística se tornar impossível, recomenda-se vivamente que os fiéis participem da Liturgia da Palavra, se houver na Igreja paroquial ou em outro lugar sagrado, celebrada segundo as prescrições do Bispo diocesano, ou então se dediquem a oração durante um tempo conveniente, a sós, ou em família, ou em grupos de famílias de acordo com a oportunidade.”


(Catecismo da Igreja Católica n. 2183 e Código de Direito Canônico n. 1248 § 2. As duas Citações são idênticas)


O eremita deve ficar atento, caso viva isolado, que o Mandamento da Igreja atualmente exige a Confissão e Comunhão sacramental ao menos uma vez por ano. Nos tempos antigos talvez isso não era exigência da Igreja, por isso muitos eremitas, sumiam para sempre no deserto e não voltavam nunca mais !!! 


3) Falta de suporte canônico.


Nem todos se sentem à vontade com votos privados. Se seu sonho é ter uma consagração reconhecida, pública, ganhar coroa de flores, mil abraços: seja diocesano. 


Convêm lembrar também que sempre tem uns católicos “sabidos”, que não respeitam religiosos se não têm votos solenes, status canônico, etc… 


Uma outra situação são as reuniões e eventos para religiosos da diocese: o autônomo não é considerado como levando uma Vida Consagrada oficialmente. Embora a Igreja saiba que eles existam, se trata de uma minoria que não merece grandes atenções em pronunciamentos, citações etc. 


Não convém ao autônomo participar de eventos exclusivos dos religiosos da diocese (a não ser se for convidado gentilmente pelo Bispo) e nem da CRB. Se você estiver fora do País sim, mas na diocese, não. 


Você não é um religioso da Diocese. Você é um consagrado eremita autônomo da Igreja Católica Apostólica Romana.


4) A ignorância alheia.


Às vezes alguns até conhecem um pouco do eremitismo, mas pensam que só é viável o eremitismo diocesano. O resto seria um plágio sem licença do Bispo… 


Infelizmente, essa é a opinião de muitas pessoas do clero, e de muitos religiosos que dominam alguma coisa de eremitismo. Quando sabem de algo, sabem pela metade…


Até você se explicar e se fundamentar… já está contradito !


Na verdade o eremitismo diocesano só surgiu de um modo efetivo depois do Concílio Vaticano II !!! É extremamente recente !


O eremitismo autônomo foi o primeiro a surgir pela graça do Espírito Santo…


Quais as vantagens do eremitismo autônomo ? 


1) Independência.


Deve-se obediência ao diretor, em tudo o que é de perfeição da regra e da consciência da alma. No dia a dia, no seu eremitério, você assume tudo: a casa precisa reformar ? Reforme. Quer ir no médico, não se sente bem ? Vá. Quer tirar férias ? Tire. Você não fica à espera de ter sempre que depender do alvará de alguém para alguma ação que às vezes é necessária ser aprovada: seu celular estragou, precisa de outro ? Compre. Quer ver a família ? Vá, ou os receba ! 


Enfim, a vida é mais simples e sem cerimônias. 


2) Ausência de preocupações: 


Será que serei aceito (a) ? Será que vou professar ? Será que vou renovar ? Será que me expressei bem para o Bispo, sabe-se lá quando o verei novamente ! Será que posso fazer isso ? 


O eremita autônomo está livre dessas preocupações. Ele está nas mãos do seu diretor, que é de extrema confiança, que nas horas de maior aflição você pode ter a liberdade de ligar de noite, ou de mandar um e-mail a qualquer hora que ele vai responder no mesmo dia ! Se você não se expressou bem, tudo se resolve em e-mails, e poucas comunicações, já que se trata de pessoa que já conhece suas lutas, seu caráter, sua história. 


3) Extensão de espiritualidade. 


Se você ainda não definiu que carisma viver, mas já quer estar só, pode ir experimentando várias regras e horários, o que já não vai ser bem compreendido por um Bispo.


Antes, por exemplo, você tinha facilidade de se levantar às 3 da madrugada, passou um tempo e você viu que isto se tornou obsoleto; basta falar com o Diretor, que é mais compreensivo, do que com o Bispo (não que o Bispo não o seja, mas o papel dele não é cuidar de seus pormenores espirituais…). 


Isso vale para outros costumes. Embora se aspire toda perfeição possível, nunca se sabe exatamente as transformações que teremos na vida espiritual e os toques de Deus que receberemos. Poderemos então introduzir e abolir um costume com a licença do Diretor mais facilmente. 


A relação com o Diretor é mais filial, enquanto que a com o Bispo é mais burocrática, sua regra já é um documento que está na Mitra, e é mais intimidante pedir para alterá-la, caso algo na prática não se sair tão perfeito como foi na etapa de planejamento da regra…


4) Se em algum ambiente não o(a) aceitaram ou não o(a) acolherem, tudo bem !


Isso não vai parar na Mitra, você ainda é uma pessoa de bem, um cidadão honesto que paga seus impostos e merece seu espaço. No mundo há lugar para todos, ainda que aqueles que o(a) invejam não queiram admitir isso. 


O seu eremitério é SEU. É privado, é particular, e isso ninguém pode alterar. É sagrado, e é seu ambiente de união com Deus.


Ainda sim, não está dando certo ? Mude-se. 


É muito mais fácil a mudança num eremitismo autônomo do que num diocesano, onde o eremita terá que recorrer novamente às autoridades e estar sujeito a tudo o que lhe advier…


Porém, imóveis rurais comprados, são mais difíceis depois de vender, principalmente os caros… Atenção na escolha do lugar, e reze muito para que seja um local escolhido para viver de modo estável por muitos anos. Se você não está firme, melhor começar com o aluguel por uns dois anos.


*Aqui entra uma nota: Os eremitas diocesanos também têm diretor espiritual. A diferença é que o diretor de um diocesano é apenas um conselheiro, mas não um superior que lhe dê licenças ou dispensas. O diretor de um diocesano geralmente é da diocese que o eremita se encontra, enquanto os dos autônomos podem morar longe.

Irmã Gema da Misericórdia Divina.