24 abril 2024

EREMITAS: ISOLAMENTO, SIM OU NÃO?

 EREMITAS AUTÔNOMOS: ISOLAMENTO, SIM OU NÃO?

 

Diz o Pe. Cornélius Wencel, eremita camaldulense, no livro The Eremitic Life”. pág. 96:

“Já mencionamos acima que o motivo básico para escolher a vida solitária num eremitério consiste num desejo existencial de encontrar Deus e conversar com Ele. O (a) eremita escolhe o silêncio para entrar plenamente num diálogo. Ele (ela) escolhe a solidão para encontrar de perto uma presença pessoal. O caminho do deserto não é, portanto um caminho isolado e árido, não conduz à negação de todos os valores do mundo e das outras pessoas. É exatamente o contrário: é o caminho da mútua presença, diálogo e amizade que brilha onde duas liberdades e dois corações, divino e humano, se encontram”.

Essa citação nos mostra que o (a) eremita nunca é uma pessoa solitária de fato, pois sempre está em contato com outro, ou seja, com Deus, com quem mantém um diálogo permanente.

Entretanto, no mundo atual, é muito difícil a uma pessoa se isolar plenamente. E, seguramente, isso não combina com tudo o que Jesus nos ensinou.

Jesus nunca foi uma pessoa isolada. Ele se isolava diariamente para um contato mais pessoal com o Pai, mas nunca totalmente. Eu acredito que, ao fazer isso, ele nos deu um direcionamento em nossa vida.

Eu não concordo em que deixemos de lado os dons recebidos por Deus para nos isolarmos totalmente. Sei que o maior dom que temos é o próprio Deus, mas tudo o que Jesus nos ensinou implica que estejamos em contato com outras pessoas e devemos praticar esses dons recebidos, para o bem da comunidade.

Aliás, muitas vezes o desejo de se isolar vem de um desejo secreto de fugir dos problemas. Nós até conseguimos fugir dos problemas, mas não conseguimos fugir de nós mesmos, e na solidão isso vai pesar uma tonelada.

Penso que o essencial na vida eremítica seja viver uma vida de oração, de simplicidade, de pobreza, de castidade, de trabalho humilde, mas também de amor, muito amor a Deus e ao próximo. O isolamento absoluto acredito não ser recomendável. Veja bem: eu concordo plenamente que o (a) eremita viva sozinho (a). Eu mesmo vivo sozinho, numa quitinete de 29m². Estou alertando os (as) eremitas para que não se isolem completamente. Mantenham certo contato com a comunidade.

Amar o próximo significa, antes, deixar-se amar. Deixar-se amar é muito mais difícil do que simplesmente amar. Quando nos deixamos amar, damos a chave para a outra pessoa, para que ela possa “abrir” a porta da comunicação conosco quando ela quiser, ou mesmo quando ela precisar. E isso vai nos tirar da tal “solidão”.

Diz um santo, acho que São Francisco de Sales, que, quando estivermos orando e alguém nos interromper porque precisa de nós, podemos, sem problema de consciência, deixar a oração e ir ajudar a pessoa.

Jesus nos deu esse exemplo ao contar a história do bom samaritano. Sabem por que o sacerdote e o levita não o atenderam? Porque estavam indo para a igreja rezar. Se eles tocassem o homem caído e machucado ficariam impuros, segundo a lei deles, e não poderiam ir à igreja rezar. Sabem por que o samaritano o atendeu livremente? Porque seu povo não seguia essa lei absurda e não ia ao templo dos judeus. Eles adoravam Deus em outro lugar.

É certo deixar de atender alguém porque temos que rezar?

É certo deixarmos todas as pessoas falando sozinha porque temos que nos isolar?

Jesus nunca deixou ninguém falando sozinho. Ele e os apóstolos não tinham tempo nem de comer. Esse foi o exemplo que eles nos deixaram. Mas, o mais importante, mantinham uma vida de oração contínua e profunda.

Acredito que é isso que o (a) eremita autônomo deve buscar: nunca deixar o clima de oração, mesmo que tenha que estar em contato com outras pessoas. Precisamos fazer como Jesus em Lucas 9,18: “Certo dia ele (Jesus) orava em particular, cercado dos discípulos, aos quais perguntou:”.

Percebam que Jesus não estava sozinho: estava cercado pelos discípulos. Mas estava orando em particular, ou seja, fazendo uma oração pessoal. Ele nunca deixava de orar, mesmo no meio da multidão. Isso se consegue quando temos uma vida de oração: conseguimos ajudar as pessoas sem deixarmos de estar unidos a Deus, quando oferecemos esse trabalho para louvor a Deus.

Portanto, você, que está vivendo uma vida de eremita na cidade, sozinho (a), mas sem isolamento, não se preocupe: esmere-se na oração, nesse contato íntimo com Deus, viva as virtudes plenamente, e saiba que está agradando a Deus com sua vida de oração e praticando os seus dons em benefício ao próximo.

Quem não pensa assim, me desculpe. Diz São João, em sua carta, que mostramos que amamos a Deus se amamos o próximo. Como amar o próximo se eu me isolar? Longe de nós sermos eremitas rabugentos e insociáveis!

Ficar sozinho facilita muito a vida, é bom, pois fazemos o que bem entendemos. Mas... será que isolar-se de tudo e de todos agrada a Deus, que na Pessoa de Jesus quis nascer numa família pobre, viveu a vida toda rodeado de gente, e ao morrer pediu para São João levar sua mãe para morar com ele e não ficar sozinha? Minha mensagem é esta: viva sozinho(a), se esta for sua vocação, esmere-se na simplicidade, na pobreza, na oração contínua, como diz S. Paulo, na humildade, no trabalho diário, mas não se isole do mundo. Aliás, seria bom fazer-se esta pergunta: “Qual é o verdadeiro motivo pelo qual eu quero me isolar de tudo”?