24 abril 2024

A POBREZA DO (A) EREMITA AUTÔNOMO (A)

A POBREZA DO(A) EREMITA AUTÔNOMO(A)

16/10/2022 (revisada em 03/05/24)

Não sou especialista neste assunto, mas tenho me preocupado a vida toda com ele. Na verdade, muitas vezes fico apreensivo. Afinal, como podemos viver a pobreza evangélica num mundo como o nosso atual?

Os eremitas autônomos diferem dos eremitas diocesanos justamente nesse ponto, pois precisam, mais do que estes, de “se virarem” para terem como se sustentar. Não tem sentido, por exemplo, um(a) eremita autônomo(a) fazer voto de pobreza no entendimento comum do que isso implica, pois terá que ter uma fonte de sustento e guardar um pouco para emergência. O que vou dizer aqui se refere apenas aos (às) eremitas autônomos (as). Os eremitas diocesanos têm, sim, todas as condições para fazerem o voto de pobreza.

Talvez devamos pensar num modo diferente de tratar o voto de pobreza, ou seja, que seja um voto de se viver a pobreza, sem, necessariamente, ser pobre de fato. É, pelo menos, o que Mateus diz no capítulo 5, vers. 3: “Felizes os pobres em espírito (veja bem: EM ESPÍRITO) porque deles é o Reino dos Céus”.

A Bíblia de Jerusalém comenta esse “em espírito” dizendo que “embora a fórmula de Mt 5,3 enfatize o espírito de pobreza, tanto no rico como no pobre, o que Cristo quer salientar em geral é pobreza efetiva, particularmente para os seus discípulos” (comentário letra “h”).

Entretanto, há situações impossíveis de se viver uma pobreza radical de fato. Os donos de indústrias, por exemplo, os médicos, que precisam continuamente de cursos e livros e materiais caros...

Acho que é também o caso dos e das eremitas autônomos (as). Temos que pagar aluguel, se já não compramos uma casa ou um apartamentinho. Se já compramos, já não somos assim tão pobres, pois temos um imóvel, que vale dinheiro. Como fazer o voto de pobreza como ele é entendido ainda hoje?

Um frei franciscano, por exemplo, pode viver uma vida pobre, simples, mas de fato ele tem por detrás dele toda uma estrutura econômica forte e bem alicerçada, que lhe garante o sustento, médicos, aposentadoria e tudo o que se imaginar de segurança. Isso é bem diferente dos pobres de verdade, que vivem nas ruas e em casas paupérrimas. Se não for o SUS, estão perdidos. 

Podemos dizer que a Igreja Católica é pobre? Pois vi um artigo, num dia destes, dizendo que nossa Igreja é a que possui mais terras no mundo todo. Nem esses grandes magnatas a superam nisso. Nem por isso podemos dizer que ela não viva a pobreza. O que ela poderia fazer com essas terras? Nada. São terras ocupadas para a comunidade, para as funções religiosas.

Outro exemplo: um amigo meu morava em república, em São Paulo, e trabalhava num Banco. Era o que mais ganhava mensalmente entre os colegas da república. Aos sábados havia a limpeza geral da república. Havia um rodízio em que todos participavam da tal limpeza em seu dia. Se a pessoa não quisesse ou não pudesse fazer a faxina, pagava para quem pudesse ou quisesse fazer. O meu amigo quis dar uma de simples, de humilde, e ele mesmo fazia a tal faxina. 

Num certo dia, um deles resolveu esclarecer meu amigo sobre a bobeira que ele estava fazendo: “Amigo, o problema é o seguinte: eu sei que você quer bancar o pobrezinho de Jesus, o humildezinho, fazendo você mesmo a limpeza do sábado. Mas pense bem: você é o único entre nós que ganha bem, não tem muitas despesas. O mais correto para você viver essa sua pobreza, que não é pobreza nem aqui nem na China, seria pagar pra eu fazer a limpeza no seu dia. Eu ganho pouco, tenho que mandar dinheiro pra casa, e esse dinheirinho a mais iria me ajudar”.

Gente, o meu amigo ficou pasmo com essa sinceridade e essa verdade. Nem sempre viver a pobreza é dar uma de serviçal, mas pagar para alguém fazer aquele serviço. Dessa data em diante, ele começou a pagar para ele fazer a limpeza quando era o seu dia e ficou muito satisfeito com isso.

Isso muda muito, pelo menos no meu ponto de vista, a vivência da pobreza em nossos dias, principalmente para o (a) eremita. Não podemos fazer voto de pobreza de modo absoluto, pois temos que ganhar o suficiente para nossa subsistência e guardar uma pequena reserva para as emergências. Mas podemos, isso sim, viver essa pobreza no dia a dia, numa vida simples, sem exigências, sem luxo, com pequenas penitências. Sobretudo, partilhar. Partilhar o que se tem é mais penoso do que não ter. 

Que saudades daquelas reuniões vicentinas da década de 60, em que se servia café preto, pão e manteiga (a margarina ainda não era popular). Um café simples, mas num clima gostoso de partilha, de gente que se reunia para ver como poderia ajudar melhor seus pobres.

Ademais, uma pessoa que tenha instrução boa, nunca vai viver uma vida tão pobre quanto outras que não têm instrução. Se você, que é instruído, montar um barraco numa favela, tenho certeza de que o seu barraco vai ser um pouco diferente dos outros: por exemplo, vai ter na mesa uma toalha picotada de papel de embrulho, cortinas feitas de tiras de alguma coisa, ou seja, a gente sempre “dá um jeito nas coisas”.

A riqueza de ter recebido uma boa formação só a perdemos se ficarmos com Alzheimer ou Demência ou coisa desse tipo. Caso contrário, sempre a levaremos conosco, por mais pobres que sejamos materialmente.

Jesus Cristo dá-nos o exemplo de uma vida pobre, apesar de ele ser rico. Sim! Ele continuou Deus, mesmo sendo homem. O demônio o tentou para ele fazer aparecer pães para comer, no deserto, mas ele recusou. Entretanto, aceitou e comeu os pães que os Anjos lhe trouxeram. E a prova de que ele poderia ter feito aparecer os pães que o demônio lhe tentava, são os milagres da multiplicação dos pães, sobretudo no capítulo 6 de João. Jesus e os Apóstolos não passavam fome. Tanto assim que eram (embora injustamente) chamados de beberrões e comilões.

Como poderia eu terminar este artigo? As ideias fervilham em minha cabeça, mas ele se tornaria muito longo. Na bíblia vemos muito esta oração: “Senhor, não me dês nem riqueza nem pobreza”. É, acredito que atualmente devemos viver uma vida simples, mas não viver na miséria. Nós, eremitas autônomos, não podemos “nos dar ao luxo” de não ter nada, pois precisamos nos sustentar. Mas podemos, sim, renunciar às mordomias e as coisas supérfluas, e vivermos uma vida de pobre, mesmo que não o sejamos de fato. E aprender a partilhar sempre, pois, como já disse acima, partilhar é mais difícil do que não ter nada para dar.

Tudo isso que eu disse se refere ao (à) eremita autônomo (a). Os eremitas diocesanos dependem da diocese inclusive na moradia e podem, sim, fazer o voto de pobreza sem nenhum escrúpulo. 

(Um eremita autônomo)
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COMENTÁRIOS FEITOS NUMA PÁGINA QUE TÍNHAMOS NO FACEBOOK. 

Alguns comentários sobre este artigo, do facebook: 

N.E.B.A. (Chile)

Que bom artigo e um ponto muito bom, o da pobreza, a partilha e a dá do que tens, não do que te sobra, é pobreza e é Caridade, eu não tenho nada, vivo o dia a dia, entregue à Misericórdia de Deus e à Sua providência. Deus tem sido muito generoso para comigo. Sou um eremita autônomo Capuchinho Franciscano. Eu tenho minha própria regra dentro da espiritualidade Capuchinha Franciscana. Já passei aperto mas nada que me tire do caminho, a pobreza é interior e exterior, nada guardo para mim, tudo dou, como disse confio na sua Providência. Não vivo na miséria, isso é outra coisa. Não tenho nada meu. Um abraço fraterno desde a ermida San Conrado de Parzham de Antofagasta a pérola do norte do Chile. Paz e bem.

J.O.M.C. perguntou isto ao eremita N.:

N.E.B.A., é preciso algo para ser irmãozinho autônomo? Onde se registra esse tão alto título e ao mesmo tempo símbolo do martírio?

O Ir. N.respondeu: 

J.O.M.C., Irmão, não se trata de títulos mas sim de um chamado pessoal que Deus te faz de forma muito pessoal imerecido claro, eu já tenho muitos anos, antes fui religioso Capuchinho Franciscano é um chamado como disse antes e um processo de vida espiritual profundo seguindo em forma radical o Evangelho, vivendo na solidão, contemplação, trabalho, oração, penitência, o eremita vai se transformando com o correr do tempo, não é algo mágico nem de um dia para o outro. Estamos em combate dia e noite com nossas próprias fraquezas. Você deve fazer algum trabalho manual ou agricultura para sua sustentação pessoal ou estar aposentado, viver do que suas mãos produzem. Você alcança um amadurecimento espiritual. Eu aos meus quase 60 anos estou estudando e terminando a Mística Cristã, na Univ. Católica, fui professor de Dogmática no Seminário, Major Metropolitano e Univ. Faculdade católica de Teologia. Além disso, engenheiro em Administração e Finanças entre outras coisas. Também escrevi alguns compêndios sobre a Teologia da Libertação e seu centro cristológico. Etc... Espero em parte ter respondido à sua consulta, caro José. Também esta espiritualidade eremítica pode tê-la leigos vivendo com suas famílias em suas casas, sendo seu quarto sua cela, e sua casa seu mosteiro. Muitos são eremitas urbanos, vivem na cidade. Como você vê a Igreja é rica em diversidades de Carismas e muitas maneiras de servir a Cristo, e Santificar outros. Desejo-lhe que a paz e o Sumo bem estejam sempre na sua vida irmão. Um abraço fraterno do deserto de Antofagasta a pérola do norte do Chile. Paz e bem.

Outra participante, com outra mensagem:

A.L.

Já fui muito martirizada na vida religiosa por não ter dotes altos para oferecer. Agora, como eremita, perdi meus vocacionados. E perdi também a direção a seguir. Pobreza só funciona se for na alma, pois o mundo exige muito.

J.I.M.N.deixou também seu comentário:

Talvez, seja o voto mais complexo para quem quer viver os conselhos evangélicos no meio do mundo! Mas, impossível não é! Por exemplo, se o eremita já é aposentado ou mesmo se trabalha ainda, mas paga aluguel, ele não tem nada de próprio, além da sua aposentadoria ou salário e pode sim perfeitamente fazer uma Consagração porque o mais importante é o desprendimento, a pobreza em espírito. Claro, não poderá ter bens no seu nome, precisa fazer um bom uso do dinheiro, não comprar coisas supérfluas... Precisa direção espiritual boa... Numa Ordem ou Congregação torna - se menos complexo por causa do voto de obediência, mas os três votos andam juntos...