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Federal Fluminense – UGG-
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1.3.2 A Vida Eremítica
Compreendendo-se, pelo que foi
dito até aqui, que a busca monástica é, sobretudo, um chamado ao “deserto”, à
solidão, à fuga mundi e à auto renúncia, podemos afirmar que é na figura do
eremita, que esse ideal é vivenciado em toda a sua plenitude. A singularidade
de tal grupo nos é descrita, com muita propriedade, por Le Goff (2005), quando
afirma:
Sobretudo, personagens
marginais, anarquistas da vida religiosa, alimentaram durante todo o período as
aspirações das massas para a pureza. São os eremitas, (...), que pululam por
toda a Cristandade, desbravadores, recolhidos nas florestas para onde acorrem
os visitantes, (...). São modelos não corrompidos pela política do clero organizado,
orientadores espirituais dos ricos e dos pobres, das almas dos aflitos e dos
amantes. Com seu bastão, símbolo da força mágica e da errância (=prática de
quem está sempre caminhando, indo de um lugar a outro) , com seus pés descalços
e suas vestimentas de peles de animais, eles invadem a arte e a literatura.
Encarnam as inquietações de
uma sociedade que, com o crescimento econômico e suas contradições, procura na
solidão o refúgio dos problemas do mundo (LE GOFF, p. 79).
O eremita está, por natureza,
em sua fuga mundi (=fuga do mundo), afastado das obrigações litúrgicas comunitárias,
bem como do episcopado e das demais dignidades que o colocariam em evidência no
“mundo”. Encarnam, assim, o verdadeiro ideal da solidão. De tal modo, é exatamente
na vocação de um monge eremita que observamos o resgate da experiência contemplativa
na sua forma mais pura - a busca de Deus no silêncio e na solidão - tal como preconizado
no monaquismo primitivo.
A esse respeito, deve-se
ressaltar, que ao deixar como legado uma Regra que contempla a vida monástica
como uma vida em comunidade – cenobítica – São Bento, em momento algum,
desconsidera a importância da opção dos anacoretas ou eremitas. Na verdade, ao
detalhar em sua Regra o cenobium como o modelo monástico (fortissimum genus ou
a “raça mais forte”), São Bento assim o faz, por compreender que nem todos os
homens seriam capazes de viver na solidão das cavernas e em absoluto silêncio e
solidão. Assim, ao escrever uma regra para se viver em comunidade, com toda a
ênfase colocada nas virtudes da humildade e obediência, mas mantendo o
permanente “ideal da solidão do deserto”, São Bento torna a vida monástica, uma
experiência mais acessível a todos. A esse respeito, Merton (2011) nos afirma
que:
O monge que faz voto de
obediência à Regra de São Bento é, por isso mesmo, verdadeiro descendente de
Santo Antão do deserto, bem como de São Pacômio e de São Basílio. Entra na vida
monástica como cenobita, sim; todavia, nada há, na natureza profunda de sua
vocação, que exclua sincera admiração pelos antigos eremitas ou o impeça de
desejar participar de algum modo da contemplação de Deus na solidão, que era a
vida deles. Pelo contrário, se o monge cortasse todos os laços espirituais que
o ligam aos Padres do Deserto, estaria simplesmente se separando da fonte
inicial mais pura do espírito monástico que professa (MERTON, 2011, p. 137).
Assim, ainda que a opção do
monge seja a vida monástica cenobítica, São Bento ressalta ser possível haver,
na “natureza profunda de sua vocação”, um desejo e um chamado a uma experiência
eremítica verdadeiramente contemplativa. Tal assunto é tratado na Santa Regra
de maneira implícita: São Bento considera normal que depois de longo tempo de
vida em comum, possa o monge, caso o deseje, retirar-se à solidão, a fim de
entrar em comunhão com o espírito do monaquismo primitivo dos primeiros
anacoretas.