09 agosto 2022

O EREMITISMO- ROGÉRIA G. A.B.

 

Mestrado em Psicologia de Rogéria Guimarães Alves Bernardes – Você encontra o texto todo referente ao monaquismo neste link:

Univehttps://app.uff.br/slab/uploads/2013_d_Rogeria.pdfrsidade Federal Fluminense – UGG-

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1.3.2 A Vida Eremítica

Compreendendo-se, pelo que foi dito até aqui, que a busca monástica é, sobretudo, um chamado ao “deserto”, à solidão, à fuga mundi e à auto renúncia, podemos afirmar que é na figura do eremita, que esse ideal é vivenciado em toda a sua plenitude. A singularidade de tal grupo nos é descrita, com muita propriedade, por Le Goff (2005), quando afirma:

Sobretudo, personagens marginais, anarquistas da vida religiosa, alimentaram durante todo o período as aspirações das massas para a pureza. São os eremitas, (...), que pululam por toda a Cristandade, desbravadores, recolhidos nas florestas para onde acorrem os visitantes, (...). São modelos não corrompidos pela política do clero organizado, orientadores espirituais dos ricos e dos pobres, das almas dos aflitos e dos amantes. Com seu bastão, símbolo da força mágica e da errância (=prática de quem está sempre caminhando, indo de um lugar a outro) , com seus pés descalços e suas vestimentas de peles de animais, eles invadem a arte e a literatura.

Encarnam as inquietações de uma sociedade que, com o crescimento econômico e suas contradições, procura na solidão o refúgio dos problemas do mundo (LE GOFF, p. 79).

O eremita está, por natureza, em sua fuga mundi (=fuga do mundo), afastado das obrigações litúrgicas comunitárias, bem como do episcopado e das demais dignidades que o colocariam em evidência no “mundo”. Encarnam, assim, o verdadeiro ideal da solidão. De tal modo, é exatamente na vocação de um monge eremita que observamos o resgate da experiência contemplativa na sua forma mais pura - a busca de Deus no silêncio e na solidão - tal como preconizado no monaquismo primitivo.

A esse respeito, deve-se ressaltar, que ao deixar como legado uma Regra que contempla a vida monástica como uma vida em comunidade – cenobítica – São Bento, em momento algum, desconsidera a importância da opção dos anacoretas ou eremitas. Na verdade, ao detalhar em sua Regra o cenobium como o modelo monástico (fortissimum genus ou a “raça mais forte”), São Bento assim o faz, por compreender que nem todos os homens seriam capazes de viver na solidão das cavernas e em absoluto silêncio e solidão. Assim, ao escrever uma regra para se viver em comunidade, com toda a ênfase colocada nas virtudes da humildade e obediência, mas mantendo o permanente “ideal da solidão do deserto”, São Bento torna a vida monástica, uma experiência mais acessível a todos. A esse respeito, Merton (2011) nos afirma que:

O monge que faz voto de obediência à Regra de São Bento é, por isso mesmo, verdadeiro descendente de Santo Antão do deserto, bem como de São Pacômio e de São Basílio. Entra na vida monástica como cenobita, sim; todavia, nada há, na natureza profunda de sua vocação, que exclua sincera admiração pelos antigos eremitas ou o impeça de desejar participar de algum modo da contemplação de Deus na solidão, que era a vida deles. Pelo contrário, se o monge cortasse todos os laços espirituais que o ligam aos Padres do Deserto, estaria simplesmente se separando da fonte inicial mais pura do espírito monástico que professa (MERTON, 2011, p. 137).

Assim, ainda que a opção do monge seja a vida monástica cenobítica, São Bento ressalta ser possível haver, na “natureza profunda de sua vocação”, um desejo e um chamado a uma experiência eremítica verdadeiramente contemplativa. Tal assunto é tratado na Santa Regra de maneira implícita: São Bento considera normal que depois de longo tempo de vida em comum, possa o monge, caso o deseje, retirar-se à solidão, a fim de entrar em comunhão com o espírito do monaquismo primitivo dos primeiros anacoretas.

Levando-se em consideração, portanto, que, no transcorrer dos séculos, o movimento monacal cristão, sucessiva e reiteradamente, tem buscado resgatar em seu seio, a pureza do ideal contemplativo de homens como Antão, Pacômio, Basílio e outros, florescido na solidão dos desertos, torna-se importante, que nos detenhamos sobre aqueles que, ainda hoje, procuram viver esse ideal em sua maior autenticidade: o ramo eremítico da família beneditina.

Assim, é justamente buscando compreender esse modus vivendi monástico que incorpora a austeridade e ascetismo do monaquismo primitivo, que nos debruçaremos, a seguir, sobre a experiência das Ordens que permanecem, na atualidade, como herdeiras e guardiães desse ideal originário, perseguido por muitos ao longo dos séculos.