24 abril 2024

A ASCESE ATUAL

 

Abadia Cisterciense de Itaporanga SP

A ASCESE ATUAL

06/03/2022

Muitos (as) eremitas talvez se perguntem, como eu, como ficam atualmente aquelas penitências exageradas de antigamente, como flagelo, cilício... Serão ainda agradáveis a Deus?

Muito tenho pensado nisso, até que hoje de manhã, lendo a explicação das leituras de hoje no missal dominical (1º domingo da Quaresma, as tentações de Jesus), deparei com uma explicação da qual gostei muito. Tantas vezes nos últimos 49 anos a li, mas nunca tinha percebido isso. Pode ser que ajude a você também. É de Paulo Evdokimow e está citada no comentário inicial do missal dominical do primeiro domingo da Quaresma ano C:

A ascese cristã nunca foi fim em si mesma; é apenas um meio, um método a serviço da vida e, como tal, procurará adaptar-se às novas necessidades. Outrora, a ascese dos Padres do deserto impunha jejuns e privações intensas e extenuantes; hoje, a luta é outra. O homem não tem necessidade de sofrimento suplementar. Cilício, cadeias de ferro, flagelações, correriam o risco de extenuá-lo inutilmente. A mortificação da nossa época consistirá na libertação da necessidade de entorpecentes, pressa, ruídos, estimulantes, drogas, álcool sob todas as formas”.

“A ascese consistirá, acima de tudo, no repouso imposto a si mesmo, na disciplina da tranquilidade e do silêncio, onde o homem encontra a possibilidade de concentrar-se para a oração e a contemplação, mesmo em meio a todos os ruídos do mundo, no metrô, entre a multidão, nos cruzamentos de uma cidade. Consistirá principalmente na capacidade de compreender a presença dos outros, dos amigos, em cada encontro. O jejum, ao contrário da maceração imposta, será a renúncia alegre do supérfluo, a sua repartição com os pobres, um equilíbrio espontâneo, tranquilo”.

Depois que li o texto percebi que hoje, realmente, há muitas formas de fazermos penitência e talvez nem percebamos. Uma delas, por exemplo, é sermos mais “mansos e humildes de coração”. Essa frase tem muitos significados. Um desses significados é o “estar sempre à disposição” de quem quer que necessite de nossa atenção. Muitas vezes estamos tão preocupados com nossas orações e penitências que não fazemos a que Jesus mais preza: o amor ao próximo, o atendimento tranquilo e humilde a quem precisar de nós. Eu acho que essa é a maior penitência que existe.

Vejo, por exemplo, que muitos católicos se tornam evangélicos por não se sentirem bem acolhidos nas igrejas católicas que frequentam. Os evangélicos dão 10 a zero em nós nesse item. Diz São Francisco de Sales que o atendimento a quem necessita de nós até substitui a oração que estivermos fazendo no momento em que a paramos para atendê-lo.

Em nossa vida diária podemos prestar mais atenção se estamos cumprindo o amor que Jesus pede de nós em tudo o que fizermos. E se olharmos bem, veremos muitas coisas até fáceis ao nosso redor que não víamos até então, e que são passíveis de serem nossa penitência. Mas se nossa penitência for misturada com impaciência, individualismo, pouco caso, questão de obrigatoriedade, rixas, pensamentos de julgamento dos outros, de intolerância, de vaidade, de vanglória (São padre Pio lutava muito contra a vanglória), de interesses mesquinhos etc., não será agradável a Deus.